Sérgio Cabral
O homem cordial

Em Natal, no último dia 26 de julho, um ex jogador de basquete, Igor Pereira, desferiu 61 socos na sua namorada, Juliana Garcia, dentro do elevador do prédio onde mora o patife covarde. Não fosse a interferência do porteiro e Juliana poderia ter morrido, caso continuasse a levar socos do brutamonte.
Nelson Rodrigues, escritor, cronista e dramaturgo, na sua primeira peça teatral, "A mulher sem pecado", de 1941, cunhou em um dos seus personagens a seguinte frase: "Bata na sua mulher, você pode não saber porque está batendo, mas ela sabe porque está apanhando".
Passados mais de 80 anos da infeliz frase de um dos nossos maiores autores, os dados demonstram que a violência contra a mulher no Brasil é uma chaga longe do fim.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e da Agência Patrícia Galvão, em 2024 foram registrados 87.545 estupros e estupros de vulnerável. 66% dos casos ocorreram dentro de casa, 77% das vítimas tinham menos de 14 anos e 88% eram do sexo feminino.
Os dados são cruéis: 10% tinham entre 0 e 4 anos, 18% entre 5 e 9 anos, 33% entre 10 e 13 anos e 16% entre 14 e 17 anos. 56% das vítimas são negras.
No ano passado foram registrados 1.492 feminicídios no Brasil. O maior número desde 2015, quando foi sancionada a Lei nº 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, que alterou o Código Penal para incluir o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio. Foram 3.870 tentativas de feminicídio em 2024, 19% a mais do que em 2023.
2024 foi o ano com o maior número de casos registrados de violência sexual da história do país: 87.545 casos. 77% de estupro de vulnerável e 23% de estupro.
Somente em 2024, 4 mulheres foram vítimas de feminicídio por dia no Brasil. 64% das mulheres eram negras. 71% tinham entre 18 e 44 anos de idade. 8, em cada 10, foram assassinadas pelo companheiro ou ex-companheiro. 64% foram mortas na própria residência. 97% dos assassinos eram homens.
No ano passado foram 1.067.556 acionamentos ao 190, o que equivale a 2 chamadas por minuto. 551.001 medidas protetivas de urgência (MPU) foram concedidas em 2024, crescimento de 7% em relação a 2023. 101.656 MPUs foram descumpridas pelos agressores (aumento de 11% em relação a 2023). Foram registrados 51.866 casos de violência psicológica- aumento de 7%, 95.026 registros de stalking (perseguição física ou virtual), 18,2% a mais do que em 23, e 747.683 casos de ameaças, uma irrisória queda de 0,8%.
Todos esses chocantes dados são mais assustadores pelo fato do Brasil ainda carecer de uma rede estruturada de apoio às vítimas. Por mais que tenhamos avançado nas últimas décadas pós redemocratização. Ainda há milhares de mulheres que sofrem caladas, diariamente, abuso de seus parceiros. Por diversas razões. Mas todas elas decorrem da carência de assistência de acolhimento. Seja de natureza psicológica, seja de ceticismo à penalidade do parceiro.
O homem brasileiro continua a ser um dos mais brutais do planeta dentre as nações democráticas. Claro, me refiro às que buscam incessantemente o Estado Democrático de Direito.
O intelectual Sérgio Buarque de Holanda, autor do clássico Raízes do Brasil, publicado em 1936, se vivo fosse, por certo revisitaria seu clássico da sociologia para uma profunda revisão do conceito de que o brasileiro é "um homem cordial".
Sérgio Cabral fala sobre a violência contra a mulher em sua rede social. Confira
*Jornalista. Instagram: @sergiocabral_filho
COMENTÁRIOS